domingo, 1 de dezembro de 2013

Luz da Lembrança

Não é de terror que os olhos se enchem. É só mais uma cena inventada por uma foto escurecida, cheia de poeira. A escuridão no quarto é tão brilhante quanto o próprio sol perto de olhos tão tristes. Não há incômodo, só um pesar não tão pesado, mas esmagador na medida em que possui a única flecha de liberdade de uma alma: a força de vontade da mente. A lembrança não é instrumento de prazer ou angústia. É só um fato já consumado e inesquecível até o momento que uma nova lembrança ocupe seu lugar. Rasgar as fotos não adianta, aqueles olhos negros sabem disso. Não dá pra rasgar a mente tampouco. Resta então relembrar de novo, de novo, de novo... A luz não se acende pelo interruptor. É só um fio de cabelo preso em uma roupa simples que não foi notado antes.

sábado, 30 de novembro de 2013

Passos

Infelizmente nem sempre o que se encontra é o que se deveria. Há tantos passos em vão, em vãos tristes, simplesmente em vão. As estrelas que brilham pelo dia estouram de dentro d'alma como uma fogueira em dia chuvoso. Todos aqueles passos, longa caminhada que nem ao menos faz sair do lugar. Será mesmo que valeria a pena continuar pensando em correr? Os passos curtos e gentis já não levam para onde as pernas desejam ir. A cola surpreendentemente forte é mais uma loucura que realidade. O achado mais precioso parece não passar de areia. Areia que se levanta com os passos. Passos que não vão a lugar nenhum.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Surdez

O que será pior? Talvez tenha deixado de ouvir, mas ainda enxergo bem. Não sinto mais o gosto de nada. Nenhum cheiro me faz viajar. Não mais. Permaneço na dúvida constante do que pode acontecer. Minha pele há muito está gélida. Os sons estão só dentro da minha cabeça. Não é meu coração bater que escuto, estou surdo para qualquer coisa desse mundo. Mas meus olhos, estes não se fecham, não descansam, não enxergam. Não há discórdia fora de mim. Há uma guerra longe daqui. Mas toda destruição está dentro, cravada e presa por facas enferrujadas de suor e lágrima. Há muito que nunca saiu e que talvez não escute jamais. Há muito que há apenas uma pegada atrás de mim. Há sons que não serão audíveis, não mais...

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Traição


A saliva pinga das presas esfomeadas. Se aproxima sibilante do seu novo alvo. Tudo está confuso, tudo é apenas um estalo, uma dobra de tempo. A confiança toma conta de todo o corpo, a mente se concentra mais e mais. Os pés estão prontos para a largada, as unhas afiadas brilham no escuro. O ataque se aproxima, a morte está a espreita. É um segundo de euforia, um único toque dilacera a carne e o espírito. Um único toque. Basta apenas isso. Simples, fugaz, ardente e gélido ao mesmo tempo. Toda aquela vida construida com tanto esforço agora está despedaçada, morta, entregue às presas que não seguram o espendor e felicidade de finalmente ter seu banquete. Toda aquela saliva seca em instantes. Mas o sangue derramado manchará pra sempre aquele quarto escuro onde uma vida foi destruida...

Cartas


Os papéis caem no chão aos pedaços, irreconhecíveis, imundos. Manchas de ódio e rancor se espalham por todo o terreno. O sangue amarelo escorre das células mortas, um feitiço que deu totalmente errado. O tempo durou mais do que tinha que durar, se estendeu e mortificou todas aquelas promessas. A existência dependente se tornou deficiente e decadente, quase inexistente. Tudo aquilo que se vê naquele chão aos pedaços são velhas marcas, conversas, revelações. Todas elas deixadas para trás talvez num impulso. Mas com certeza já não sangram mais.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Cavalgada


Anunciam-se ao longe em pegasos negros. Eis que correm daqui pernas alvoroçadas em agonia e estupidez. Corpos sufocados pelo pranto e pela ganância. Desebainham-se as espadas de carne. Quebram-se os ossos. Fere-se a alma. Toda a cidade. Os vilarejos, os pomares. Tudo queimado, tudo perdido. Os pegasos não têm mais força pra voar. Cavalgam em diração ao rio que se esvai. Seus cavaleiros fogem dali, com terror nos olhos de verem a auto-destruição de algo tão belo e perdido. Aparências se vão e tudo que fica é a dor do que se viu e se perdeu.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Constatação


As marcas na pele formadas pelo tempo não significam a aparência amarga com que foram feitas. As vontades de perceber o que realmente se passa tornam-se irrelevantes no momento em que há um choque entre consciência e realidade. O presente não foi feito pra ser vivido, mas superado. O despertar de uma nova visão jamais relevará a pureza de uma alma branda, mas suprimirá a capacidade do presente se tornar um presente de fato.